Numa entrevista recente ao jornal The New York Times, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mostrou que continua direto e sem papas na língua. A conversa, publicada na madrugada da última quarta-feira (30), girou em torno de um tema espinhoso: a nova tarifa de 50% que os Estados Unidos decidiram aplicar sobre produtos brasileiros. A medida, que começa a valer já nesta sexta (1º), acendeu o alerta vermelho no Itamaraty e reaqueceu discussões sobre a postura do Brasil nas disputas comerciais globais.
“Se os Estados Unidos não quiserem comprar algo da gente, a gente vai vender pra quem quiser comprar. Temos uma relação comercial extraordinária com a China”, disparou Lula, num recado que, embora mantivesse um certo verniz diplomático, foi visto como um claro aviso de que o Brasil não vai aceitar calado medidas que podem impactar diretamente setores como o agronegócio e a indústria de base.
Porta fechada na Casa Branca
Durante a entrevista, Lula também revelou que vem tentando falar diretamente com o presidente dos EUA, Donald Trump, mas até agora, sem sucesso. “Ninguém quer conversar”, comentou com visível frustração. Esse silêncio, segundo analistas, é mais do que descortesia: é sintoma de um desgaste crescente na relação entre os dois países.
O cenário lembra, em certos aspectos, a fase final da gestão de Bolsonaro, que também teve momentos turbulentos com os americanos, ainda que por outros motivos. Agora, com Lula tentando manter uma linha de independência diplomática, o impasse com os EUA pode se tornar uma pedra no sapato para os próximos meses.
O jogo da geopolítica
O presidente brasileiro não hesitou em criticar o que chamou de tentativas de forçar o Brasil a tomar lados em disputas que, segundo ele, não nos pertencem. “Se os Estados Unidos e a China quiserem uma Guerra Fria, não é problema nosso. O Brasil não vai entrar nessa”, disse. Com isso, Lula reforça a ideia de uma política externa voltada mais ao comércio do que à ideologia, uma estratégia que ele já vinha sinalizando desde o início de seu terceiro mandato.
Pra ele, o que interessa é vender, ponto. “Tenho interesse em negociar com quem quiser pagar mais. O resto é discurso bonito que não enche barriga”, afirmou, em mais uma de suas tiradas bem características.
O pano de fundo
A decisão americana de sobretaxar produtos brasileiros — entre eles aço, alumínio e até café — veio sem muita explicação formal. Especialistas suspeitam que se trata de uma tentativa de proteger o mercado interno dos EUA em ano eleitoral, quando Trump tenta garantir apoio do setor industrial. No entanto, a medida foi mal recebida por vários aliados internacionais, inclusive dentro da própria América Latina.
Por aqui, a reação foi imediata. Entidades como a Fiesp e a CNA soltaram notas criticando o aumento da tarifa e pedindo ao governo federal ações firmes para evitar prejuízos maiores.
Caminho pela frente
Resta saber agora como o Brasil vai se mover nesse tabuleiro. Com a diplomacia emperrada e o comércio em risco, Lula aposta num tom mais direto e até, por que não dizer, desafiador. Em meio à crise, ele parece ter reencontrado uma de suas marcas registradas: o discurso pragmático, com pitadas de indignação e um certo charme popular, que fala tanto para os líderes internacionais quanto para o trabalhador comum que vê no comércio exterior uma chance de crescimento pro país.
Se vai funcionar? Ninguém sabe ao certo. Mas que ele deixou o recado, ah, isso deixou.